MPF pede anulação do contrato bilionário de créditos de carbono do Pará e multa de R$ 200 milhões
03/06/2025
(Foto: Reprodução) MPF pede à Justiça Federal a suspensão imediata e a anulação do contrato internacional de compra e venda de créditos de carbono assinado entre o estado do Pará e uma coalizão estrangeira. Terras públicas para vender créditos de carbono
Giaccomo Voccio/g1
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação na Justiça Federal, nesta terça-feira (3), pedindo a suspensão imediata e a anulação do contrato internacional de compra e venda de créditos de carbono firmado entre o estado do Pará e uma coalizão de governos estrangeiros e multinacionais.
O órgão também solicita que o Pará seja temporariamente impedido de receber pagamentos do mercado de carbono até que o sistema estadual de comercialização seja aprovado conforme a legislação brasileira.
A Justiça ainda não se manifestou sobre o pedido de liminar. Em nota, a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAP) emitiu nota afirmando que "o contrato firmado é um pré-acordo que define condições comerciais futuras, sem realizar transação efetiva ou gerar obrigação de compra".
Já o Governo disse que "vem construindo o Sistema Jurisdicional de REDD+ com transparência e participação social. - (veja os posicionamentos completos ao final da reportagem).
Venda antecipada e falta de consulta
Segundo o MPF, o contrato representa uma venda antecipada de créditos de carbono, prática proibida pela lei que regula o mercado de carbono no Brasil.
Outro ponto destacado na ação é a ausência de consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais antes da assinatura e da definição de preços dos créditos.
Para o MPF, essa falta de diálogo viola direitos garantidos por convenções internacionais e pela legislação nacional.
A ação foi movida contra a União, o Estado do Pará e a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (Caapp).
O MPF também pede que a União seja impedida de autorizar o Pará a atuar diretamente com certificadoras internacionais até que o sistema estadual esteja adequado às exigências legais.
Danos morais coletivos
O MPF solicita ainda que o estado do Pará seja condenado a pagar R$ 200 milhões por danos morais à sociedade.
O valor, segundo o órgão, se justifica pela comercialização antecipada de recursos ambientais provenientes de territórios de povos e comunidades tradicionais, sem a realização da consulta obrigatória.
O contrato também prevê ressarcimento à instituição coordenadora da coalizão internacional em caso de questionamentos legais, o que, para o MPF, agrava a situação.
Pressão antes da COP 30
Na ação, o MPF alerta para a pressa do governo do Pará em aprovar o sistema estadual de mercado de carbono antes da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), prevista para ocorrer em Belém.
Segundo o órgão, essa urgência tem gerado pressão sobre indígenas e comunidades tradicionais, que ainda não compreendem totalmente a proposta e o funcionamento do mecanismo.
O MPF argumenta que as consultas estão sendo realizadas de forma apressada e sob pressão, o que pode causar prejuízos concretos, como divisões internas e desrespeito à autonomia das comunidades.
Para os procuradores, o início das consultas sem as devidas cautelas e sob um contrato considerado nulo perpetua o dano moral.
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Audiência e roteiro de atuação
Também nesta terça-feira, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) realizou uma audiência de tentativa de conciliação, após pedido do governo do Pará e da Caapp para suspender recomendação do MPF e do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) pela anulação do contrato.
O MPF negou a possibilidade de acordo, alegando que sua atuação segue as obrigações institucionais de defesa dos direitos socioambientais.
O órgão segue um roteiro de atuação que destaca os riscos do mercado de carbono para povos indígenas e comunidades tradicionais, incluindo histórico de fraudes e a importância de garantir direitos como consulta prévia, proteção territorial e repartição justa de benefícios.
O guia reforça a necessidade de ações preventivas e ágeis para proteger os modos de vida dessas populações e garantir transparência em contratos ambientais.
O que diz o governo
A Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAP) emitiu nota afirmando que "o contrato firmado é um pré-acordo que define condições comerciais futuras, sem realizar transação efetiva ou gerar obrigação de compra antes da verificação das emissões, estando integralmente dentro da legalidade".
Segundo a CAAP, o "documento não infringe a Lei Estadual nº 15.042/2024 nem as diretrizes do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)".
"As cláusulas contratuais são claras ao estabelecer que qualquer operação comercial está condicionada à verificação das reduções de emissões por critérios técnicos. Até que isso ocorra, não há obrigação financeira entre as partes, o que afasta a caracterização de venda antecipada — vedada pela legislação. A comercialização só será concluída caso os créditos sejam devidamente emitidos após validação oficial dos resultados", disse na nota.
A CAAP nega que o contrato permita revenda dos créditos e detalha que "o documento é claro ao não prever qualquer cláusula que autorize esse tipo de operação, afastando interpretações equivocadas sobre seu conteúdo".
Também na nota o Governo do Estado do Pará disse que "diversos documentos e etapas do processo, inclusive os itens referidos nas recomendações ministeriais, estão publicamente disponíveis no Portal do REDD+: www.semas.pa.gov.br/redd" e que "trata-se do maior processo de Consulta Prévia, Livre e Informada (CLPI) da história do Pará, com 47 consultas previstas a comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas".
De acordo com o Governo, "a metodologia adotada respeita a Convenção 169 da OIT e a legislação brasileira, garantindo a autodeterminação dos povos e o direito de decidir de forma livre e fundamentada sobre sua participação no SJREDD+" e "nenhuma comunidade é obrigada a aderir ao sistema, e a decisão — seja positiva ou negativa — não implica em qualquer restrição de acesso a políticas públicas".
Por fim, o Governo informou que "as consultas seguem critérios técnicos, territoriais e logísticos, em diálogo contínuo com lideranças locais"; que "o modelo jurisdicional não impõe contratos nem compromissos unilaterais, diferentemente de iniciativas privadas" e que "trata-se de uma política pública construída coletivamente e em constante aprimoramento".
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